Capa da edição nr. 29 da série Circuito Atelier da Editora C/Arte, 2005

 
 
 
 
 

 

"Desejo de criar espaços prováveis do sonho. Da Fantasia. Da compreensão de nós mesmos e do outro. Todas as fragilidades que encontramos no espaço da vida tento deixar transparecer no espaço da Pintura. Fragilidade que entendo como algo extremamente positivo, pois pra mim a Pintura só é boa no momento em que consigo detectar suas fragilidades. Isto é, aquela que permite ao espectador perceber potencialidades e possibilidades que não se realizam. Ele olha para o quadro e pensa: aqui se poderia ter feito isso, ou ainda: está muito saturado, poderia ser um pouco menos, e ainda, aqui está faltando, está lambido, se poderia ter trabalhado mais".

 

Assim chama a atenção Fernando Pacheco, residente em Belo Horizonte, MG, que trabalha nas fronteiras da comunicação e infinitas possibilidades que não se fecham num diálogo exclusivamente racional. Esse é o raciocínio, sentimento que movimenta a vocação, senso lúdico e revelação da pintura na vida do artista. Espaço em que as cores, desenhos, traços e gestualidades estão em permanente conexão e à procura de um sublime equilíbrio, nos olhos ávidos e curiosos de qualquer observador.

 

Como destaca o escritor Bartolomeu Campos de Queirós na apresentação da edição-depoimento nr. 29 da série Circuito Atelier (Editora C/Arte, Belo Horizonte, MG, 2005) dedicado a Fernando Pacheco: "Dessa harmonia surge uma obra irretocável, capaz de surpreender pelo seu poder inicial de nos encantar, para em seguida nos perguntar, nos inquietar, nos indagar. Há momentos em que seus personagens parecem nos interrogar. Somos traídos ao passar da categoria de sujeito para a de objetos. Seus personagens é que nos espiam".

 

 

Quarto de Brinquedos – Pai, Nando, Pateta e Pepe Legal, Fernando Pacheco,

Óleo sobre madeira, 105x75 cm, 1982, Coleção do artista

 

 

Personagens presentes em quadros e painéis policromáticos. Aspectos ligados ao território da fantasia humana em seus desejos secretos, desenvolvidos num esforço solitário, independente, com muita investigação, pesquisa e dedicação exclusiva ao exercício da pintura.

 

Pois Fernando Pacheco é autodidata. Aprendeu o ofício de artista plástico a partir do seu olhar inquieto e convivência com Arlinda Corrêa Lima, Wladimir Obrescoft, Carlos Heitor Cony e Domenico Lazzarini — como veremos a seguir, na biografia resumida e atualizada em 2007 por Jacqueline Prado de Souza, junto ao pintor. Podemos, portanto, falar esteticamente de um olhar sensível, isto é, de um processo de evocação pictórica que leva às últimas conseqüências a concatenação de um olhar que enxerga, que prenuncia, de maneira intuitiva e empírica uma capacidade de visibilidade que, mesmo estando implícita na constituição material do seu mundo, só conquista a sua perceptibilidade — e, portanto, sua plenitude comunicativa — no momento e estágio de tempo criativo em que, na produção de sentidos, perpassam sensações e até mesmo premonições, distorções nos desenhos das composições, acrescidas de metáforas vertiginosas, constituídas dentro de uma coloração e texturas provocativas que sustentam perpetuações múltiplas no limiar de influências dentro de uma singularidade, que faz lembrar a "simplicidade" de Matisse, a "rusticidade" de Lasar Segal e a "delicadeza" de Nello Nuno.

 

Um "olhar demiurgo" que transmuta os elementos e constrói, de maneira plena, personagens presentes em quarto de brinquedos, nos pianistas, nos olhos de vidro e tem  uma elasticidade incomum e diferenciada. Que dá margem a algo inacabado e abre espaços para sobreviver na imaginação dos espectadores. Estimulante de toda uma gama de simbolismos recorrentes e emocionais. Um projeto reinterpretativo em fluxo e refluxo. Ousado e irreverente. Alicerçado em algo inacabado e adicional. Exigente. Transbordado no desejo permanente de ativar espaços abertos e possíveis, vasos comunicantes para o sonho e a fantasia.

 

Em mais de 30 anos de atividade e fidelidade ao ofício da pintura, o artista prestigia tudo aquilo que havia sido desacreditado: a figuração, a emoção declarada, a autopoética, a dramaticidade, o simbolismo, a memória, a reinvenção. Exploradas em alegorias vigorosas, cores neo-expressionistas e pigmentos vivos que fazem lembrar a todo o momento um dos postulados máximos do expressionismo: "A arte é a forma mais elevada de esperança".

 

 

  Fratura Exposta, Fernando Pacheco, Óleo sobre tela, 150x150 cm, 1999, Coleção do artista

 

 

Fernando Pacheco nasceu em São João del-Rei, MG, no ano de 1949. Em 1955, transfere-se com a família para Belo Horizonte, MG. No final da década de 1950 e início dos anos de 1960, convive com o artista plástico Domenico Lazzarini, no Rio de Janeiro, RJ. Ainda adolescente descobre a literatura e participa do círculo de amigos do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony. Na segunda metade da década de 1960 freqüenta o ateliê do pintor russo Wladimir Obrescoft, na cidade de Saquarema, RJ, onde tem os primeiros contatos com a pintura a óleo.Também funda e integra, como baterista, o conjunto The Beatkings em Belo Horizonte, MG.

 

No início da década de 1970, conhece a pintora, ceramista, professora e psicopedagoga Arlinda Côrrea Lima (aluna de Guignard, falecida em 1980, uma das maiores incentivadoras da educação artística para crianças em Minas Gerais, e homenageada com o nome de uma das quatro salas especiais para exposição de artes plásticas do Palácio das Artes, Belo Horizonte, MG) e freqüenta seu ateliê, o Núcleo de Atividades Criativas (NAC).  Fernando Pacheco, em 1971, começa a estudar na Escola de Engenharia Metalúrgica da UFMG. Abandona o curso em 1974, para se dedicar à pintura. Contudo, conclui o curso de administração de empresa, no ano de 1982.

 

Em 1975, convidado por Arlinda Corrêa Lima, participa da primeira exposição coletiva no Palácio das Artes, BH, MG. A primeira individual ocorre no ano seguinte no Chez Bastião Bar-Galeria, BH, MG, organizado pelo jornalista e poeta Valdimir Diniz. Após a primeira individual, participa do I Salão Universitário de Artes Plásticas no Instituto Nacional de Artes Plásticas, Rio de Janeiro, RJ, e de inúmeras exposição em Minas Gerais e Brasil. Recebe, em 1979, o Prêmio Usiminas em Pintura no II Salão de Artes Plásticas do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.

    

 

Águas Vivas de Trinidad e Tobago (Denise's Oceans), Fernando Pacheco,

Óleo sobre Tela, 170x180 cm, 2002, Coleção particular, Inglaterra

 

 

Em 1980, realiza exposição na Opus Galeria de Arte, Brasília, DF. Integra o XXVI Salão Paranaense, Curitiba, PR, e o III Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte, Rio de Janeiro, RJ. Ao longo da década de 1980 integra inúmeras exposições individuais e coletivas, e recebe inúmeros prêmios, entre eles: Xerox do Brasil em Pintura no V Salão de Artes Plásticas do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, BH, MG; e Prêmio Cidade de Recife em Pintura no I Salão de Arte Cidade de Recife, PE. Em 1983, participa do Panorama de Arte Atual Brasileira — Pintura, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, SP. Com curadoria de Aracy Amaral e Márcio Sampaio, integra, em 1984, a mostra Dez Artista Mineiros, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) de São Paulo, SP. Em 1989, recebe Sala Especial no II Salão Nacional de Arte de Itajubá, MG.  

 

No ano de 1991, participa da exposição coletiva As Várias Faces da Personalidade, no Museu Mineiro, BH, MG. Em 1994, com curadoria de Joel Edelstein, expõe na Galeria Edelstein Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ, e na Chicago International Art Exposition, Chicago, EUA. É contemplado, em 1999, com o Prêmio-Bolsa Nascente, em artes plásticas, em Belo Horizonte, MG, e integra a exposição Grande Círculo das Pequenas Coisas, no Museu de Arte de Florianópolis, SC.

 

 

As Ninas, Fernando Pacheco, Óleo sobre tela, 170x180 cm, 2002,

Coleção Particular, Espanha

 

 

Recebe em 2001, o título de Cidadão Honorário da Cidade de Belo Horizonte, MG. Ganha em 2003 o Prêmio Especial Máster da Universidarte, na inauguração da Casa de Cultura Minas Gerais, da Faculdade Estácio de Sá, BH, MG. Em 2004 Fernando Pacheco é homenageado pelo estilista de moda Victor Dzenk no Fashion Rio, realizado no Museu de Arte Moderna (MAM) da cidade do Rio de Janeiro, RJ, na qual estampa sua coleção com imagens do quadro O Dia do Toureiro. No ano de 2005, participa da exposição Homenagem a Aldemir Martins, em Fortaleza, CE, e realiza a individual de pinturas, desenho e objetos  Elásticos, no Palácio das Artes, BH, MG; juntamente com a inauguração da mostra Elásticos, foi lançado o livro Fernando Pacheco: depoimento, nr. 29 da série Circuito Atelier da Editora C/Arte (Belo Horizonte, MG). Em junho de 2006, inaugura o painel Voar, de 16 metros de comprimento por 1,60 de largura no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, região metropolitana de Belo Horizonte, MG.

 

Participa da Exposição Artistas Brasileiros 2006, no Salão Negro do Palácio do Congresso Nacional, Brasília, DF, e da coletiva Onze: onze artistas, onze bolas, onze obras, na Mallmann Arte Contemporânea, em Porto Alegre, RS. No mesmo ano, lança o segundo livro Fernando Pacheco: pintura (Editora C/Arte, Belo Horizonte, MG), na Objetaria Belizário, Belo Horizonte, MG, acompanhado de exposição de pinturas, objetos e desenhos. No ano de 2007, realiza mais um painel com a pintura intitulada Viver, na sede da Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais, em Belo Horizonte, MG. A trajetória de Fernando Pacheco está presente nos principais museus do Brasil e exterior. Obteve 15 premiações em salões de artes, 35 distinções diversas. Sua obra mereceu, até o momento, análises críticas dos principais especialistas em artes plásticas do Brasil. Sua obra está representada em diversos e importantes acervos culturais, fundações, museus, universidades e coleções particulares no Brasil e exterior.

 

 

Pianista and Flowers II, Fernando Pacheco, Óleo sobre tela,

130x110 cm, 2003, Acervo Fundação Reina Sofia, Espanha

 

 

A paleta de Fernando Pacheco parece transportar em si um campo de exaltação e batalha para as emoções. Repleta de situações, lembrando um palco de teatro — ostentando os seus efeitos de presença para evocar metamorfoses numa ausência declarada, com uma iluminosidade intensa — e seus atores performáticos e inventivos, aplicando um tremendo impacto sobre o imaginário.

 

Neste vasto mundo de imagens e pensamentos incompletos, as ironias, sutilezas e celebrações do ato criativo, junto ao fundo negro, platinado ou esmaecido, entranhado de figuras animadas com seus olhos arregalados e sapatilhas listradas de azul e vermelho, catalizadores de uma atmosfera e território das sensações, fazem o artista levar a pintura aos seus últimos limites. Tal qual o alemão Sigmar Polke leva a pintura até que ela "confesse" aquilo de que é "culpada". E a culpa engendrada é transparecer apenas vestígios comunicativos daquilo que está por trás, deixando para a recepção os atos constitutivos do afloramento da sensibilidade esclarecida em descobertas e possibilidades estéticas de leituras não reveladas. É a qualidade da pintura que torna possível sua eficácia, seu espanto, sua capacidade de produzir efeitos, instigar os observadores a entrarem, imergirem na tela, dar ritmo à imaginação, incitar um pacto saudável do tempo interno da obra em sua autonomia e o despertar dos tempos mentais e emoções subjetivas no seu estágio mais franco e despojado: naquele olhar que pára, enxerga e desencadeia toda uma sedução de matizes ilusórias, associações, situações restauradoras e tonificantes.

 

 

Observadores de Nuvens, Fernando Pacheco, Óleo sobre tela,

90x90 cm, 2004, Coleção particular

 

 

Recentemente, mais um livro — o terceiro — foi lançado sobre o pintor. Em Fernando Pacheco: Fogo e Pátina (Apresentação de José Eduardo Gonçalves, Textos de Jacob Klintowitz e Márcio Sampaio, Edição Bilíngüe português/inglês, Editora C/Arte, 2007, Belo Horizonte, MG), observamos dois longos ensaios escritos por especialistas. Num deles, o crítico de artes plásticas paulista, Jacob Klintowitz, um dos mais respeitados do Brasil na contemporaneidade, examina os procedimentos da elaboração: "O processo criativo de Fernando Pessoa é complexo, pois ele se alimenta de resíduos, objetos duplicados, identificações de essências e ações emocionais. É cumulativo, associativo e emocional. A rapidez que se adivinha no seu trabalho não é a pressa de execução, mas a sensação de que tudo foi concebido num único instante. A percepção do espectador de um movimento rápido não é senão a tradução, no observador, da unidade de concepção. Tenha ocupado o tempo que for na execução, e seguidamente este fazer deve ser exaustivo, a integridade do resultado nos leva a afirmar que a concepção se deu num só momento".    

 

Na realidade, não existe pessoa que não sinta os desafios dos quadros do artista. Se não são as combinações de cores fortes e cheias de entusiasmos, chamam a atenção as aparências de corpos em suas expressões mais ousadas e inflamadas.   

 

 

Elásticos – Veludo de Urso, Fernando Pacheco, Óleo sobre tela,

220x195 cm, 2005, Coleção do artista

 

 

O interessante na carreira de Fernando Pacheco, como, há tempos, também chamou a atenção, acertadamente, outro crítico de artes plásticas, Pierre Santos, é que o artista é "dono de uma linguagem espontânea, aberta, descompromissada, na qual a irreverência imaginífica é a tônica e a candura simbólica é algo de profundamente envolvente. (...). Deu um pulo à frente e elaborou uma arte que teria uma grande afinidade com a linguagem que pintores como Baselitiz, Castelli ou Combas apresentariam nas bienias internacionais, no final daquela década (1970), dentro da transvanguarda italiana, do neobrutismo francês ou da pintura selvagem alemão, movimentos esses que se perfilaram como capítulos do neo-expressionismo e dominariam o panorama artístico ao longo de 1980". E, em seus desdobramentos, próspera e imortal nos quadros geniais de um Iberê Camargo (1914-1994), que, ao lado de Fernando Pacheco e mais alguns poucos, representa o que existe de mais consistente na pintura do Brasil na atualidade.

 

Quem acredita que a pintura está desfalecida deve visitar as telas e painéis de Fernando Pacheco. Com clarividência, descobrir, numa leitura polifônica e interativa, os mistérios, segredos e jogos de simbologias. Sua obra deve ser vista, sentida e refletida. Pois, nas artes plásticas, além do desenho e a escultura, o grande exercício ainda começa com a pintura e termina com a pintura. A pintura como a arte do encontro. Com certeza, a arte do encontro nas cores, na fantasia, na vivacidade mágica e imagética de Fernando Pacheco e seus personagens imperfeitos, "humanos", "animais", afoitos e sempre à procura de um espectador.

 

 

 

Mais referências sobre Fernando Pacheco e sua obra: www.fernandopacheco.com.br

 

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junho, 2008